Stonks! (ou como a GameStop é mais internet que bolsa de valores)
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Stonks! (ou como a GameStop é mais internet que bolsa de valores)

RESUMO

Destaque da edição enviada em 29 de janeiro de 2021 aos assinantes da INTERFACES NEWSLETTER.

O caso do salto nas ações da GameStop esta semana pode ser visto por dois ângulos: o da notícia em si – uma reunião de pessoas comuns em uma comunidade do Reddit (wallstreetbets) que forçaram a alta de uma ação ruim, ficaram ricas no processo (ou ganharam um bom dinheiro), deixaram fundos de investimento com problemas de caixa e a sensação de que bolsa de valores é um grande cassino com o dinheiro dos outros (não estão errados).

O valor de mercado da varejista GameStop e suas ações multiplicaram durante a semana. A ação valia menos de US$ 5 um ano atrás, ontem (28) bateu quase em US$ 500. Existe toda uma terminologia complicada para quem não acompanha o mercado financeiro (short sellers, squeezes e por aí vai). Em resumo, o que aconteceu foi um movimento coordenado online, de forma independente, para redistribuição de renda. Tirou dos ricos, botou na mão do povo (e de uns oportunistas, claro), sem um líder para culpar.

Os bilionários que controlam o mercado financeiro ficaram irritados, já que viram pessoas comuns fazendo em grupo o que eles fazem todo dia na bolsa: apostar, ganhar, fazer alguém perder – e foram eles que perderam. Coitados, não vão poder pagar a parcela do iate esse mês.

A Melvin Capital, um dos fundos que apostava contra a GameStop, teve prejuízo e precisou de um aporte de US$ 3 bilhões; a estimativa de perdas é de US$ 70 bi na semana para contratos de “short positions” na bolsa. Se você já viu Billions (na Netflix) dá para ter uma ideia desse mundo da especulação e como é fácil perder dinheiro com escolhas erradas. E ganhar também.

O outro ângulo, mais importante, é o velho e bom poder de mobilização da internet, já visto tantas vezes aplicado no mundo real (Primavera Árabe e Occupy Wall St., de 2011, jornadas de junho de 2013 no Brasil, Brexit e Trump em 2016, Bolsonaro em 2018, para citar alguns exemplos). Quem não olha para a internet ficou surpreso.  Mas sempre foi algo que foi do virtual para o mundo real, com consequências visíveis a todos.

Agora é uma “revolução” virtual do pequeno investidor contra os tubarões do mercado financeiro, organizado no Reddit, fazendo o dinheiro trocar de mãos muito rápido, tudo organizado e realizado online. Ninguém fez nada errado, só que os tubarões não perceberam essa turba toda vindo. A questão é sobre a cultura da internet, que é uma bênção e uma maldição ao mesmo tempo – e como o mundo real lida com isso (não sabe lidar). 

As dicas de que isso iria acontecer estavam no wallstreetbets faz tempo (e na internet desde que existe internet). O mais curioso é ver que um movimento do Dr. Michael Burry – o investidor representado por Christian Bale em A Grande Aposta (tem no Amazon Prime Video) serviu de inspiração (ou sinal) para o wallstreetbets seguir em frente (fora a leitura de outros movimentos de investidores na GameStop em 2020). E (sempre ele) Elon Musk jogou mais gasolina na fogueira ao tuitar “Gamestonk” com link para o Reddit. 

Scott Galloway, guru do marketing moderno, deu uma boa explicação sobre quem ele vê sendo a pessoa que frequenta o wallstreetbets (não é lá diferente do que vimos em outros movimentos online para o bem e para o mal). A mão não tão invisível do mercado resolveu se manifestar, com bancos, apps de investimento travando as operações com as ações alvo do pessoal. Reddit e Discord já podaram as asinhas dos usuários envolvidos nas operações, tirando ou limitando acesso aos grupos.

Aqui na Interfaces percebemos o primeiro sinal de que algo diferente estava acontecendo na sexta passada, ao ler uma notícia da Vice criticando influenciadores do TikTok/Twitter, acompanhada pela Wired, ambas focadas na questão da cultura digital. 

O mundo real, de notícias para investidores, começou a perceber o tamanho da encrenca só na terça-feira, quando a GameStop fechou em alta histórica – e a CNBC tentou explicar o caso. Ontem as ações da loja de games caíram, mas agora os redditors já têm novos alvos (AMC, BlackBerry, Bed, Bath and Beyond e Nokia, a única que os caras devem achar que morreu, mas segue forte e produzindo infraestrutura para 5G) para combater especuladores com mais especulação. 

E caso clássico de inspiração por cópia, brasileiros já entraram na onda na B3, com um movimento forte, agora vindo de um grupo de Telegram (37 mil membros e contando) ontem para tentar fazer ações de uma seguradora (IRB) disparar. Moral da história: quando a internet se coordena para fazer algo, sai da frente.

Até agora nenhum executivo (ou o CEO) da GameStop se manifestou em público. A empresa soltou um comunicado na quinta sobre como a GameStop é um bom lugar para a comunidade LGBTQIA+ trabalhar. Ah, claro.

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