A confusão da TV Digital
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A confusão da TV Digital

A Samsung fez hoje uma das primeiras demonstrações públicas do Sistema de TV Digital Brasileiro (Ou SBTVD, diz a Wikipedia). Conheço muitas pessoas que, ao ouvir esta notí­cia, vão perguntar: “Ahn? Como assim? Mas eu tenho TV Digital em casa há um ano…”.

Meu amigo, sinto muito dizer, mas você provavelmente não tem. “Como não, comprei na FastShop na promoção da Copa!”. Ahá, bingo! Então o que você tem em casa definitivamente não é uma TV Digital. É um monitor de alta definição, capaz de exibir os sinais de TV Digital, mas sem o sintonizador (“tuner” ou “set-top box”) necessário para isso.

A confusão vem de longe, dos idos de 2003, quando o governo começou a brincar com a idéia de desenvolver um padrão próprio de TV Digital. Vejam aqui uma cópia da Proposta em Debate original, em uma cópia arquivada do site do Ministério das Comunicações. Depois de ponderar, ficou decidido que o Brasil não teria “cacife” para bancar o desenvolvimento de sua própria tecnologia, e deveria usar um dos sistemas já desenvolvidos em outros paí­ses. Os concorrentes eram o ATSC norte-americano, o DVB europeu e o ISDB japonês.

Adendo: Nesse meio tempo começaram a chegar ao Brasil, motivadas pela popularidade dos DVDs, TVs Widescreen de LCD ou Plasma. Inicialmente era proibitivamente caras, mas os preços foram despencando, ao ponto em que hoje é possí­vel encontrá-las até em padarias e botecos (pelo menos nos que eu frequento). Mas voltando ao tema, depois de muito lobby e discussão o governo definiu que usaria o padrão japonês (ISDB) nas transmissões.

Até que alguém teve a brilhante idéia de repetir a história e, assim como fizemos com o padrão PAL de TV a cores, dar uma “mexidinha” e criar uma versão com um temperinho local. Há 37 anos atrás foi o PAL-M, no século 21 seria o SBTVD (Sistema Brasileiro de TV Digital), baseado no ISDB japonês mas com algumas mudanças, entre elas o codec de ví­deo (sai o MPEG-2, entra o MPEG-4. H.264, para ser mais exato). Otimisticamente, definiram uma transmissão inicial na data do primeiro jogo do Brasil na copa de 2006. A idéia era repetir o “feito” da copa de 70, a primeira a ser transmitida a cores no Brasil.

Como sempre acontece quando há o menor sinal de copa do mundo por perto, nos seis primeiros meses de 2006 as vendas de televisores explodiram. Os fabricantes fizeram uma guerra de preços e colocaram alguns sets low-end no mercado por menos de seis mil reais. Algumas lojas até se arriscaram a fazer promoções ousadas: compre uma TV de Plasma ou LCD e ganhe outra, de graça, se o Brasil ganhar a copa (nunca deve ter havido tanta gente puta com um técnico da seleção brasileira como quando o Brasil foi desclassificado em 2006). O lema geral era “veja a copa em alta definição!”. Claro, ninguém ia ver coisa nenhuma em HD, já que:

a) as TVs não tinham um sintonizador capaz de captar uma eventual transmissão experimental
b) as emissoras não tinham a menor condição de transmitir um sinal, já que o padrão ainda não estava definido.

Mas isso não importa. Ficou associado na cabeça do consumidor que uma TV de “tela fina”, como dizem os fabricantes, é automaticamente igual í  TV Digital com imagem maravilhosa. Impressão reforçada pelas demos nas lojas, sempre com as TVs ligadas a fontes de sinal de alta resolução para deixar tudo mais bonito. Não é de se espantar que vários fabricantes tenham enfrentado casos de consumidores furibundos porque, só depois de gastarem os tubos numa TV (sem tubos) nova, descobriram que a imagem da Globo fica uma droga. Um DVD fica uma droga. Qualquer fonte de sinal em baixa definição fica uma droga. E não havia fontes de sinal em alta definição (fora TV a Cabo Digital, que é outro bicho).

Pula mais um ano… e finalmente o SBTVD começa a dar as caras. Várias empresas juram de pés juntos que já tem set-top boxes prontas (mas ninguém, exceto a Samsung, mostrou até agora), e o governo, sempre otimista, jura de pés juntos que as transmissões começam pra valer em Dezembro de 2007. Alguém pode marcar o calendário?

Se você comprou uma TV de “tela fina” esperando TV Digital, tenho duas notí­cias. Infelizmente não muito boas. Para “pegar a Globo direito” você vai precisar de uma TV nova (se quiser jogar a sua fora, fale comigo antes 🙂 ou de um tuner, uma “caixinha”, como um decodificador de TV a cabo, para interpretar o sinal e mandá-lo para sua TV. Ninguém, até hoje, falou no preço dessa belezinha. O governo insiste em 150 dólares, e jura que só vai oferecer incentivos para produtos nesta faixa de preço. Diga isso para um executivo da indústria de eletrônicos e ele vai morrer de rir. “Sem subsí­dio não dá”, dizem eles. Já ouvi gente resmungando preços de R$ 700. Outros sussuram algo como “tá mais pra mil”. Eu acredito mais na primeira alternativa, mas não no governo.

“Tá bom, eu pago! Dá essa caixinha aqui, agora acabou essa lenga-lenga, né?”. Nada disso. Se você comprar uma das primeiras TVs com sintonizador embutido ou uma set-top box, corre o risco de ficar com um mico na mão. Acontece que o SBTVD especifica uma plataforma de serviços interativos, totalmente nacional, denominada Ginga. Com ela a TV poderia ser usada para consultar a grade de programação, notí­cias recentes, informações sobre o programa que está passando, previsão do tempo e até para navegar na Internet. “Puxa, que legal, igualzinho ao Japão!”. É, igualzinho. Com um problema: a tal plataforma ainda não está completamente definida.

Então, o que provavelmente vai acontecer? Se as transmissões começarem mesmo em Dezembro, no ritmo em que as coisas andam vão começar sem interatividade. Devido ao tempo necessário para trazer um produto ao mercado, também é provável que as primeiras TVs e set-top boxes compatí­veis com o SBTVD também não tenham suporte ao Ginga. Afinal, um fabricante não pode implementar um alvo móvel. E adivinhem o que vai acontecer quando o tal Ginga ficar pronto e finalmente começar a aparecer no mercado? Se quiser brincar você vai ter que comprar uma outra TV (se quiser tudo embutido), ou um outro set-top box. E não espere que ninguém se ofereça para trocar sua caixinha velha por uma nova, ou um upgrade de software gratuito. Fique quieto, entre na fila e pague í  vista.

Se você quer realmente entrar na nova onda, espere. Sua TV velha não é ruim. Você não vai ganhar nada vendo a Globo numa tela de Plasma de 42 polegadas. Pelo contrário, vai perder, porque a imagem vai ficar horrí­vel. E a culpa não é da TV, é do sinal ruim, cheio de defeitinhos que são “mascarados” pela tela pequena e resolução baixa das TVs comuns. Nem, sequer, compre uma “TV Digital” quando as transmissões oficiais começarem. Espere. Espere um ano, pelo menos. Espere os primeiros modelos, o tal Ginga, e alguém remover todos os bugs gritantes. Só aí­ invista, ou você vai estar jogando dinheiro fora. Nunca foi uma época tão ruim para ser um early adopter.

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